quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Memorial

CARLOS ALBERTO SILVA DE OLIVEIRA

Professor Formador: Língua Portuguesa


O QUE ME CONSTITUI PROFESSOR.



Introdução

O presente Memorial tem o objetivo de refletir minhas impressões, aspirações, expectativas e práticas pedagógicas no decorrer da minha vida profissional como educador da área de Letras, principalmente do meu olhar sobre o que o Programa GESTAR II consegue e conseguiu colaborar com o diálogo dos diversos saberes, que permitem a transformação do conhecimento e a conquista da autonomia intelectual de cada pessoa. Pretendo neste memorial, compartilhar um pouco da minha vida, que decerto contribuiu para a pessoa e o educador que sou hoje.

Nasci e cresci no Bairro de Coimbra, município de Benjamin Constant, pequena cidade localizada na mesorregião do Alto Solimões, dista da Capital do Estado do Amazonas, Manaus, 1.118 km em linha reta e 1.621 km por via fluvial, em fronteira com a República do Peru. Com quatro irmãs e mais um irmão, filhos da dona de casa Maria Eunice, que dedicou uma parte de sua vida aos seringais do Vale do Javari e do seringueiro e extrativista da madeira, João Bezerra, enfrentamos muitas dificuldades visto que a exploração dos patrões não permitiu que meu pai progredisse na vida. Sem instrução escolar, mas consciente da importância da escola para a vida, mesmo depois da separação conjugal, minha mãe sempre primou pelo esforço de cada um de seus filhos em permanecer na escola em busca de um futuro melhor. Sem o saudosismo dos dias de apenas pão e água, mas pelo sofrimento que tivemos em alguns momentos, consegui transpor para minha vida os verdadeiros valores e interpretar o mundo de outra forma. Naquela época, não tão diferente da realidade de hoje, o desemprego e o subemprego eram as principais agravantes sociais das cidades do interior. Nesse contexto, praticamente obrigado a dividir meu tempo de estudar e brincar com o trabalho informal, muitas vezes apenas para garantir uma dúzia de pães ou alguns trocados, cresci obstinado por justiça social.


Formação e experiência profissional

Cursei o ensino médio na modalidade do Magistério com habilitação para 1ª a 4ª séries, concluído em 1990, época em que tive minhas primeiras experiências com a arte de educar, pois foi quando consegui meu primeiro emprego formal, mesmo cursando o último ano do ensino médio. Em 1992, sem ter interesse pela área de letras, fui aprovado no vestibular para cursar Licenciatura em Letras, e cursei para não poder ser excluído do quadro de professores, pois todos os professores temiam ser demitidos após o término da vigência do Plano Decenal de Educação e não tivessem nível superior na época. Conclui minha graduação respirando Língua Portuguesa e adquiri prazer pelo ensino da língua, pois foram muitos os fatores que me fizeram gostar da área. Após vários anos de magistério, trabalhando em escolas municipais e estaduais, tive a oportunidade de participar como professor e coordenador na implantação do primeiro ensino médio indígena voltado para o currículo da educação escolar indígena, na Comunidade Ticuna de Filadélfia, em Benjamin Constant, sendo esta experiência engrandecedora e fez-me crescer muito como educador, na articulação do saber em meio a uma cultura diferente, e como pessoa, no reconhecimento das causas sociais e educativas de etnias indígenas e das minorias brasileiras. No ano de 2003, a Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas ofereceu o Curso de Especialização em Tecnologia Educacional, o qual conclui com êxito, uma vez que de forma relevante contribuiu para minha prática pedagógica e consegui enxergar o quanto a educação pode ter outra forma quando utilizamos os recursos multi-midiáticos e tecnológicos. No período de 1998 a 2003, participei como representante dos professores em vários conselhos de controle social, mas quero destacar minha atuação enquanto conselheiro do Conselho Municipal do FUNDEF para relatar a educação rural/ribeirinha e suas dificuldades apresentadas pelas circunstâncias geográficas e por falta de políticas públicas. Apresentarei um ponto de vista, um novo olhar sobre o que considero crucial para a Justiça Social na Educação: o desenvolvimento da educação na área rural/ribeirinha.


Educação Rural/Ribeirinha: uma perspectiva de desenvolvimento voltado para o exercício da cidadania na região do Alto Solimões.

Educar na região Amazônica, principalmente no Alto Solimões, tornou-se um dos maiores desafios para os governos e a sociedade, que diante das realidades cada vez mais precarizadas da situação sócio-econômica dos ribeirinhos e ausência de políticas públicas de estado capazes de enfrentar a mobilidade social sem ordenamento de famílias para os centros urbanos, assistem o crescimento do declínio da cultura cabocla: o homem e a terra – como segmentos e partes integrantes de um convívio etno-ambiental sustentável. Somam-se a essas agravantes os embargos administrativos e o não planejamento social dos recursos constitucionais, geralmente em favor do equilíbrio fiscal, as peculiaridades geográficas e as diversas culturas existentes (indígena, ribeirinha e, em muitas localidades, cidadãos e cidadãs de outras nacionalidades). Diante dessas realidades a preocupação com a (re) construção de uma educação libertadora e autônoma faz-se necessária para o equilíbrio social e democrático das populações que habitam a região continental Amazônica. Afinal a Carta Magna Brasileira, Constituição Federal de 1988, pactua no Capítulo II – Dos Direitos Sociais: a educação como fio condutor dos demais direitos universais do homem e da mulher.

A educação, primaz em toda a sua conjuntura e alicerce de todo trabalho humano, ainda é preconizada na mente e no imaginário dos moradores ribeirinhos como solução furtiva e salvadora no desenvolvimento social de suas famílias. Decerto que a participação social no processo de garantias de uma educação plena, contextualizada e principiadora das mudanças ainda são obstáculos para a realização desta meta.

Não obstante a participação e controle social sobre as ações do estado, a promoção dos diálogos e discussões e a definição do que é favorável ao aprimoramento dos mecanismos transparentes e legais com vistas à promoção da democracia constituírem vias que permitem os avanços sócio-educativos, poucas são as ações para que estas realidades se realizaem e promovam as transformações necessárias.

Na busca de convergências estruturais e políticas, o papel da sociedade civil na articulação e na elaboração de políticas públicas ainda significa a alternativa de disseminação da autonomia política da educação e do papel do cidadão no plano estratégico da educação, principalmente para as minorias que ocupam regiões carentes que exigem presença constante e duradoura de ações públicas de estado.

Diferente de muitas regiões brasileiras, o Alto Solimões concentra sua população rural em sua grande maioria na várzea dos rios, que se fazem como única rodovia para a grande parte do que o homem do interior produz. Por outro lado, fadadas ao esquecimento, famílias desbravadoras ainda ocupam algumas localidades rurais, que não oferecem as condições básicas de vida humana. Desta forma, é necessário que na (re) definição das políticas locais e nacional para a educação ribeirinha, além da superação da idéia da separação da zona rural e zona urbana como empecilho para o desenvolvimento local, uma vez que as duas constituem uma mesma sociedade, mas com realidades sócio-culturais e econômicas diferentes, as peculiaridades da região amazônica da várzea sejam discutidas e postas em condições favoráveis de importância ao nível da tradicionalmente conhecida na região como zona rural da terra firme, pois as mesmas possuem suas especificidades, mas com a mesma necessidade de direcionamento de ações de políticas públicas.

Muitas ações do Governo do Estado e do Município promoveram avanços consideráveis da Educação Ribeirinha na região do Alto Solimões, porém é primordial que se pense em agregar à educação na zona rural, ações de desenvolvimento sustentável, de união do homem e da mulher com o campo, com o rio, com o igarapé, com as florestas, com os animais, enfim com a comunidade. O que o homem produz e como produz, o seu relacionamento com meio ambiente e os programas de atenção à saúde do ribeirinho precisam ser levados em conta no desenvolvimento dos programas e projetos dos governos.

A seriedade e o zelo pelo exercício do magistério na zona rural, a implementação de currículos específicos para os diversos níveis e modalidades, levando em consideração as diversidade e desigualdades locais em sua conjuntura e em cada comunidade precisam ser instituídos como critério fundamental para uma educação ribeirinha articulada, política e autônoma, sendo que as condições de funcionamento das escolas, a situação de formação e remuneração do professor, a relação da família com a sociedade e comunidade, o transporte e merenda escolar são garantias básicas para a oferta de uma educação com qualidade.

É primordial que no plano educativo da educação ribeirinha possamos romper a estigmatização de que a educação é um privilégio de poucos, que de certa forma produz aos habitantes dos grupos sociais ribeirinhos uma sensação de passividade diante das desigualdades sociais, seja trabalhada, discutida na formação dos educadores e no processo político junto às lideranças comunitárias, em busca da afirmação de uma escola inclusiva.


Outras experiências

No período de janeiro de 2005 a abril de 2007, atuei como Chefe de Gabinete da Prefeitura de Benjamin Constant, que me proporcionou uma macro-visão da educação, não só do município, mas do Brasil. Atualmente, além de professor, também exerço a função de Secretário Executivo do Instituto Natureza e Cultura de Benjamin Constant/Campus Alto Solimões, onde minhas atividades principais são apoiar as atividades de ensino, pesquisa e extensão dos cursos de graduação. Muitas experiências também contribuíram para minha formação, como: membro do Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social e Presidente do Conselho Municipal de Assistência. No ano de 2009, tive o prazer em participar das Conferencias Municipais de Educação nos municípios de Atalaia do Norte e Tabatinga, na qualidade de palestrante e ter contribuído com o desenvolvimento da educação na região.


E o GESTAR II ?

Confesso que não conhecia o GESTAR II, mesmo quando fui convidado pela Secretaria Municipal de Educação, Professora France Clayre, que explicou como seria desenvolvido o curso no município. Somente após a primeira formação em Manaus, onde tivemos um bom trabalho desenvolvido pelo Professor João Carlos, foi que consegui assimilar a dimensão e a importância do curso de formação continuada para os professores do município, mas foi na segunda formação, pela Professora Zenaide Dias que enxerguei melhor o tamanho da responsabilidade que cada professor formador e os professores cursistas têm para com o êxito da formação junto aos nossos discentes.

O GESTAR II conseguiu proporcionar em mim novas e “velhas” descobertas, orientou melhor os saberes que eu já possuo, foi como se fizesse relembrar algo que conhecia há muito tempo, clareou meus caminhos.

A cada oficina realizada, vejo a mobilização que o GESTAR II está fazendo na vida dos professores, das idéias que surgem, das contestações e resultados alcançados, da compreensão das metodologias, das discussões e debates, como os próprios professores dizem: “estamos compreendo melhor algo que nos já conhecíamos e desenvolvíamos”. Certamente, para muitos professores, a formação GESTAR II de Língua Portuguesa não será somente um marco na formação de cada educador, mas um novo ponto de partida para a renovação das práticas pedagógicas.


Obs.:

Este Memorial não se encerra agora, e sim formalmente quando o GESTAR II encerrar suas atividades em Benjamin Constant, mas ficará sempre em construção quando a cada dia vivenciarmos novas experiências e participarmos como condutores, mediadores e facilitadores do saber em nossas escolas e na vida cotidiana.


Até breve !!!

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